8/20/2006

MORTE E VIDA DE ROTINA...


Eu já fui um herói. Queixo quadrado, S no peito. Destemido. Enfrentava dragões, arquiinimigos, moinhos de vento. Não tinha medo da morte, estava sempre disposto a enfrentá-la, porque vivia extasiado, embriagado da vida, e queria aproveitá-la segundo a segundo. Eu sabia que iria mudar o mundo.
O mundo não mudou. Não muito. Ou mudou, mas não por minha causa. Eu sim, mudei bastante. Virei um covarde. O herói, derrotado. Não consigo enfrentar nada. Não como antes, de peito aberto, invencível como nos meus tempos de criança, nos meus tempos de homem feito. Já não durmo bem. A rotina me sufoca. Trabalho, faculdade, relacionamentos, poesia, sonhos adiados. Tudo me assusta, tudo me abala, e já não sei como enfrentar esses dragões. Hoje parece que a palavra de ordem é adiar. Deixar pra depois, como se a cada dia passado eu tivesse mais tempo pela frente. Anos atrás eu sentia uma urgência maior das coisas, da vida em si. Queria tudo, e queria logo. Queria “agora”. Agora nem sei o que quero, ou finjo não saber por medo de lutar, de perder.
Alguns dizem que amadureci, fiquei mais sensato, mais ponderado e cuidadoso. Alguns dizem que virei um covarde acomodado. A verdade é que sinto falta daquela chama, daquele fogo que me fazia tão bem. Procuro, às vezes, uma fagulha da velha coragem e acabo sempre me sentindo tolo, como um velho querendo vestir as roupas da infância. Não sei o que mudou. Não sei em que parte do caminho se perdeu aquele herói, ou quando os problemas passaram a ser mais assustadores. Não sei explicar essa fome que me assusta, essa necessidade de uma vida que já não sei se posso recuperar e que às vezes nem sei se já vivi realmente. Será assim tão difícil dar um passo em direção ao desejo, ao desconhecido, à batalha? Ou devemos procurar a segurança aparente da vida mediana com a qual não sonhamos, mas a qual acabamos nos adaptando?
Eu já fui um herói. Queixo quadrado, S no peito. Destemido. A única coisa que não mudou é que continuo não temendo a morte. Só não tenho mais coragem nem força para enfrentá-la...

Álesson Paiva

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